[Viajante sem pauta #010]O filho esquecido do Olimpo
quando nos deparamos com lendas nas viagens
Nesses últimos tempos, tenho me dedicado intensamente à escrita. Revirando as anotações feitas no continente africano, e também revivendo uma época saudosa a que tem me feito bem. Nesse processo da escrita, percebo algo que sempre foi me característico: a fantasia. Não me refiro a dragões ou reinos distantes, mas sim à magia sutil que coloco nas pessoas que cruzam meu caminho. Gosto de imaginar e destacar o melhor em cada figura que encontro. Real ou não, pouco me importa. É induzir ao imagético que me fascina.
🌊 O filho esquecido
"Você sabe pilotar uma canoa, Cainã?" – perguntou Josh, com um olhar cético, desconfiado de minhas capacidades náuticas. Mal sabia ele que fui instruído pelos melhores pescadores do Malawi.
"Sei sim," respondi. Josh, pego de surpresa como quem espera sorvete e encontra feijão, estendeu o remo para mim, ainda incerto. Seu riso hesitante revelava dúvidas sobre minhas habilidades.
Sem hesitar, tomei o comando da canoa. O vento soprava contra as águas do lago Bunyoni no pais de Uganda, mas eu mantinha o curso firme. Josh, desconfortável ou talvez inquieto por ser apenas um espectador, não imaginava que eu soubesse navegar tão bem.
"Não lembro a última vez que estive numa canoa como passageiro," comentou ele, surpreso. Em uma provocação amigável, começou a remar com as próprias mãos, dizendo: "Vamos acelerar isso."
Com um sorriso, devolvi-lhe o remo. Assim que o tocou, Josh se transformou como um capitão que assume o leme. Até os ventos, antes contrários, pareciam obedecer ao seu comando. De pé, ele cravou o remo nas profundezas do lago com uma postura quase imperial e perguntou: "Posso mostrar minhas habilidades?" Assenti, permitindo o espetáculo que viria a seguir.
Em poucos instantes, a canoa alcançou uma velocidade impressionante, tão rápida que era fácil imaginar as notícias se espalhando: "Joshua, filho esquecido de Poseidon, descoberto em Uganda." Gosto de pensar que os deuses do Olimpo fizeram uma visita a estas terras e, em um capricho, criaram Joshua. Ou talvez sua força venha dos intensos treinos na academia que ele mesmo fundou. Mas prefiro a primeira opção.
Crack! O som da madeira se parte e trás a canoa de volta à realidade, desacelerando e ficando a merce da correnteza do lago. Josh, sem perder o bom humor, exclamou:
"Lá se vai mais um remo por força demais." Com um sorriso largo, ria de si mesmo. Restava-nos agora esperar por ajuda. E não, Poseidon não moveria as águas para nos salvar. Joshua era tão humano quanto qualquer um, esperando que seu irmão viesse nos resgatar com um novo remo.
Nas manhãs, antes que o sol tocasse as águas calmas do lago, já se ouvia o som do ferro encontrando a terra. Era Joshua, erguendo pesos e esculpindo cada vez mais seu corpo, como se moldasse o próprio destino. Talvez a lenda de um semideus se iniciasse ali, ao ver os músculos tão definidos que pareciam desafiar a própria mortalidade.
Campeão incontáveis vezes no torneio de canoas. Nas raras ocasiões em que perdeu, a culpa sempre recaía sobre o remo que se partira na disputa. Blasfemava que a madeira não era digna de suas braçadas poderosas, e assim Joshua construía sua narrativa. Os mais velhos riam com indulgência, mas os pequenos logo aprendiam a escolher a melhor madeira, e a manuseá-la com destreza. Assim como a vida em torno do lago, os saberes das árvores era imprescindível aos moradores.
Joshua, o filho esquecido de Poseidon, transformava sua lenda em realidade.
🇺🇬 A vida em Uganda
O texto acima é um esboço do que será o meu livro. Tenho me guiado pelas figuras com quem cruzei ao longo da vida, e é nelas que encontro minha direção. Se Joshua realmente é tudo o que descrevi, isso pouco importa. Meu objetivo é capturar a imaginação de quem lê.
Refletindo sobre a escrita pessoal, o tempo que passei no espaço de Joshua foi extremamente significativo, especialmente porque ocorreu logo após eu ter sido furtado. Estava isolado, sem eletricidade. Para comprar o que precisava, eu tinha que remar por uma hora até um pequeno comércio local. Esse momento forçado de desaceleração na viagem acabou se tornando uma etapa crucial na viagem
Foram quase dois mêses nessa região. Joshua foi uma figura importante na viagem. Diferente do Mpsi já falei dele no podcast e em outros momentos aqui, esse atribuido como um pai na jornada, Joshua foi como um irmão. O carinho foi imenso que fiz o inimaginável pro eu Cainã. Dar um dos meus colares.
📿 O colar
Para contextualizar, sempre carrego comigo os colares feitos pelo meu pai, que é um artista. Esses colares têm um significado profundo para mim, não apenas no aspecto emocional, mas também simbólico e como uma forma de proteção. Na época, eu carregava três deles. Senti um forte desejo de presentear Joshua com um desses colares, como se o instinto me guiasse. No entanto, sabia que precisava da bênção do seu criador, meu pai.
Lembro-me de ligar para ele, perguntando se poderia dar um dos seus colares como presente. Sem hesitar, ele me encorajou a seguir em frente, e assim o fiz. Anos depois, ao mergulhar no mar do Senegal, acabei perdendo um dos três colares. Agora, resta apenas um que retornou comigo na jornada de volta.
📷 Alguns registros
São tantas histórias nesse tempo em Uganda, que isso ficará para o livro rs. Mas enquanto escrevo aqui, a vontade de gravar um programa sobre o país me toma. Logo vai acontecer! Deixo abaixo alguns registros dessa região maravilhosa!
🎙️ O podcast
Lembra-los sobre o nosso encontro presencial em novembro!
📆 21 a 24 de Novembro
📍 Serra da Cantareira / 30 min metro Tucuruvi
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E amanhã postarei outra newsletter trazendo mais bastidores do podcast. Desde a celebração do episódio 100, os encontros da comunidade que aconteceram, as proximas pautas que estão por vir, rodas do livro e outros.
E se você não faz parte da comunidade, ta esperando o que? O fim do capitalismo? haha.